Sleeping
Escrevo falando, adquiri o habito de pensar alto. Eu falo sozinho. Escrevo enquanto falo para não ficar muito estranho. E tem funcionado. Parece possível enganar a loucura. Falo e as linhas passam, nunca leio mais de uma vez o parágrafo anterior. É difícil pra mim refletir sobre as coisas que escrevo, elas me causam ainda mais dúvidas. Me vejo como o escriba que anota uma denuncia, sem saber que está ouvindo o próprio culpado. Eu falo pouco em público, digo apenas o que devo dizer, porque as coisas mais banais eu digo à mim mesmo. As palavras me surpreendem, eu permito que surjam, e que fujam, nunca sei o que acontece à seguir. Nunca sei se irei capturar a conclusão ou ser morto por ela. Os pensamentos nascem e brotam no papel, são plantas venenosas que florescem e me sufocam de forma sutil. Ontem me disseram que alguma coisa estava diferente em mim, me disseram que meus olhos costumavam mostrar mais determinação. Eu sorri por um momento e não respondi. Sorri porque foi patético. Eu perdi o jogo, me entreguei e aceitei o xeque-mate, cansei de jogar com as pessoas. É um jogo viciante e sem fim. Não consigo mais me enganar, e nem encontro razões para continuar. Eu mudei sim, estou cansado, e quem nunca esteve? Não encontro mais meu velho eu, ou motivos para trazê-lo de volta à superfície. Me deixei afogar. Nada consegue expressar em detalhes o que acontece por trás das nossas vidas, e o que nos faz acreditar que é a hora de entregar as cartas. A gente apenas sabe. Na verdade, sabemos quase todas as respostas para as perguntas que temos, mas as verdades são dolorosas demais para serem aceitas. Agora não importa, só preciso de um bom copo de café e uma dose de realidade para me manter acordado, nunca durmo por muito tempo, meus sonhos sempre foram ruins.